quarta-feira, 14 de novembro de 2007

A Sombra do Homem

Quando, num sono aéreo, tudo dorme,
E a treva lembra luz adormecida...
E o silêncio, quimérico e disforme,
É só uma canção interrompida...
Quando um pinheiro, além, da indecisão
Da noite, que o perturba e lhe faz mal,
Se vê, perdido em vaga confusão,
Tornar-se um ermo e vago pinheiral;
Quando, na sombra espessa, ó minha fonte,
Desliza, anseio de água, a tua voz,
De som molhando o rosto do horizonte,
Que sofre e chora, às vezes, como nós...
Quando em paz tudo dorme, eu sonho e cismo.
Remorso? Exaltação? Delírio a arder?
E ouço vozes, que vêm dum fundo abismo,
Por minhas mãos aberto no meu ser!
E ouço vozes e passos... Quem me fala?
És tu, ó chuva? Ó vento? Ou serei eu?
Ah, como distinguir a minha fala
Das vozes que andam, tristes, pelo céu!
Já de tanto sentir a Natureza,
De tanto a amar, com ela me confundo!
E agora, quem sou eu? Nesta incerteza,
Chamo por mim. Quem me responde? O mundo.
Chamo por mim; e a estrela me responde.
Chamo, de novo; e diz o mar: quem chama?
E diz-me a flor: onde é que estás? Aonde?
Vede a sorte terrível de quem ama!
Quem é somente amor desaparece;
Deixa, para ser tudo, de existir.
Por isso, enquanto o Amor nos entristece,
Tudo, em volta de nós, está a sorrir...
Qual é tua alegria, ó Criação?
A dor da criatura. E, sendo assim,
A alegria do nosso coração
É a dor universal que não tem fim!
Viver, é receber a vida alheia;
Mas quem falece entrega a própria vida.
E, para que dê luz minha candeia,
Quanta gota de azeite consumida!
E Deus se exalta e vivifica, em nós;
E nós, em Deus, morremos, por amor.
O silêncio divino é a minha voz,
A alegria divina é a minha dor!
Ó Deus, tu és, em mim, fragilidade;
Sombra que, por encanto, surge e passa...
E nele, sou profunda Eternidade,
Êxtase, Beatitude, Enlevo e Graça!
Orar, é a gente ver a Deus em si
E ver-se a gente em Deus. Nessa visão,
Homens da terra, os olhos consumi!
A esse fogo deitai o coração!
Ah! Cada cousa humilde ou criatura
É a lenha que conserva, sempre acesa,
A fogueira de Deus, na noite escura
E gélida e sem fim da Natureza!

(Teixeira de Pascoaes)

2 Comments:

At 14 novembro, 2007 15:20, Blogger Barão da Tróia II said...

Mais um ilustre "esquecido", boa lembrança, boa semana.

 
At 14 novembro, 2007 15:50, Blogger Zig said...

barão da troiaII:

Parece que sim....

Bom resto de semana!

 

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