sexta-feira, 20 de outubro de 2006

Entre-os-Rios

Texto publicado em simultâneo aqui e na Taberna dos Inconformados.



Já era sabido qual é o valor de uma vida em Portugal. Já era sabido que quando se morre pobre cai-se no esquecimento. Hoje chegou mais uma prova deste facto. Falo do caso da queda da ponte sobre o rio Douro, mais precisamente a do Entre-os-Rios. O caso foi a tribunal e hoje foi lida a sentença: Todos absolvidos! Isso mesmo, ouviram bem, todos absolvidos!

Mas vamos por partes. Penso que toda a gente ainda se lembra desta noite em que a ponte caiu. Ceifou 59 vidas que viajavam num autocarro que foi seguido por três automóveis ligeiros. Lembram-se bem dos directos que as televisões fizeram quanto da descoberta do autocarro e salvo erro de um dos automóveis. Lembram-se bem dos “caça-sensações” que filmaram de bem perto se descobrissem algum cadáver a boiar dentro dos veículos. Deplorável! Horrível! Já foi há mais de cinco anos, mas ficará na memória dos portugueses para sempre!

Claro que um acidente destes não podia ficar impune. Agora, culpar quem? Para começar, demitiu-se logo um ministro. Fez bem, mas não chegava. Após longos e desgastantes estudos chegou-se à conclusão que foram causas naturais. Foram tempos dolorosas para os familiares das vítimas, gente que ainda hoje sofre com a perda abrupta e estúpida dessas pessoas. Claro que a causa imediata foi a chuva que caía em abundância nesta altura, mas não explica tudo. Esta ponte há muito já pedia a sua reforma, há muito que se sabia que não era segura. Além de estreita, era velha e desadequada para o trânsito moderno. Mas, ninguém fez nada! Continuou a fazer o seu serviço até esta fatídica noite!

Por isso, alguém tinha que ser o culpado. Tinha que se “arranjar” um julgamento. O estado já “cumpriu” o seu dever em indemnizar os familiares, do tipo “fizemos m...., desculpem lá, tomem lá dinheiro e calem-se”! Depois “descobriu-se” gente que de alguma forma teve a ver com a ponte e da sua inspecção técnica e ficaram arguidos! Alguns já de idade avançada, foram ao banco dos réus. Para quê? Para ficar tudo igual, ninguém ficou com a sensação que a justiça foi feita!

Resumindo e concluindo: Os familiares e amigos das vítimas, alem da perda, ficaram “arrastados” neste longo processo judicial, lembraram-se de tudo de novo. Foi como se tivessem morridos também, para no fim ficar em nada. Rios de tinta gasta, milhares de € gastos em custos judiciais, tempo e dinheiro perdido em estudos e avaliações pós-acidente. Fica a pergunta: Culpar quem?

Foto e notícia daqui.

8 Comments:

At 21 outubro, 2006 00:28, Blogger Unknown said...

Lembro-me perfeitamente do acidente como se fosse hoje, tinha eu então 16 anos e não posso deixar de referir que na altura fiquei bastante chocado e revoltado com este triste acidente. Na altura, como (penso eu) todos os portugueses em solidariedade com os paivenses, clamamos por justiça.

E sinceramente penso que com este julgamento se ia cometendo uma grande injustiça!

Penso que no meio disto tudo os técnicos e os engenheiros não têm culpa. Eles fizeram várias avaliações ao estado da ponte e sempre referiram que a ponte necessitava de ser ou restaurada ou desactivada. A antiga JAE (hoje EP) e o próprio ministério foram sucessivamente avisados do perigo que a ponte constituia. E o que e que os directores da JAE e os sucessivos ministros da pasta fizeram?!?! Nada! Devem ter pensado "para que é que vamos gastar milhares de euros numa ponte que serve um concelho com 17000 habitantes (Castelo de Paiva) e alguns habitantes do concelho de Penafiel, se podemos fazer uma auto-estrada no litoral"...

Assim para mim, arguidos e julgados deviam ser todos os ministros da pasta ministerial em questão desde 1986 (ano do primeiro estudo da ponte) até 2001 assim como todos os directores da JAE/EP desde 1986 até 2001. E também deveriam estar sentados no banco dos reús todos os proprietários das empresas que inadvertidamente extrairam areia daquela zona do Rio Douro. Não traria a vida aos que faleceram, mas com estes julgamentos que seriam justos seria a melhor maneira de deixar as familias sofrerem em paz...

Abraço!

 
At 21 outubro, 2006 01:11, Blogger Zig said...

o restaurador:
Já me tinha esquecido dos "areeiros", é difícil de avaliar se abusaram ou não na extracção deste produto.

Mas esses que deveriam de estar no banco dos réus como tu dizes, muitos deles têm agora uma gorda reforma....

 
At 21 outubro, 2006 10:18, Anonymous Anónimo said...

Acho que ao contrário, já sabe quem são os culpados. Os culpados são os mesmos que tem a culpa pelo facto do preço da energia ir subir ao ritmo galopante anunciado.
Os consumidores. Os consumidores é que tem a culpa de tudo. Primeiro, porque há uma lei de mercado. A lei fundamental: O preço dum bem varia na razão directa da sua procura e na razão inversa da sua oferta. Ou seja, quanto mais gente quiser adquirir um producto mais ele sobe se a oferta não acompanhar a demanda. Por outro lado num cenário de procura estagnada, se a oferta aumentar, o preço desce.
E é aqui que reside um padadoxo. A sede de justiça é muito grande neste país, ou seja pelas leis de mercado, deveria ter um preço upa-upa por aí acima, uma vez que a oferta é pouca. Mas longe dos Portugueses apreciarem a justiça Portuguesa tendo-a em alta conta devido á sua raridade, eles dizem que ela não vale nada.
Ou seja, encontramos aqui a contradição da lei do mercado. Há uma sensação generalizada que há falta de justiça, mas ninguém lhe dá valor, antes pelo contrário. Confesso que estive a ler uns manuais de economia e não encontrei nem uma linha sobre este estranho fenómeno.
Espero ansiosamente que algum leitor consiga elucidar-me sobre este tema.
Não pretendo de forma alguma afirmar que os que estiveram no banco dos réus fossem eventualmente culpados, naquela ansia primitiva de ter de culpar alguém só para satisfazer pressões.
Também acho que há muita gente que deveria responder por muita coisa que ficou de fora.
Até lá, os culpados serão as vitimas, e principalmente os familiares das vitimas por terem recorrida à justiça, um bem valioso, mas que como atrás disse, não vale nada!

 
At 21 outubro, 2006 14:17, Blogger Zig said...

contraciclo:
Claro que toda a gente sabe quem é que são os culpados, mas tem de haver alguém a ser incriminado oficialmente, e os que foram, foram absolvidos.

Não estou de acordo com a sua opinião. Na energia não há lei do mercado, porque há monopólio. Que remédio têm os consumidores portugueses em "comprar" a energia à EDP. A chamada liberalização não trouxe os frutos esperados porque quem já está implantado está em vantagem, e o mercado português é demasiado pequeno para outros fornecedores se interessarem.

Não se pode meter a justiça neste saco. Ela é um pilar da democracia. Pouco apreciada, é certo, mas necessária.

Tal como digo sempre nestes casos, a democracia é um mal necessário, até encontrar um sistema melhor. Não há, por isso, temos de continuar assim....

 
At 21 outubro, 2006 18:56, Anonymous Anónimo said...

Eu penso que fosse qual fosse o veredícto, nunca se ía fazer justíça... Entendo que para os familiares das vítimas tenha sido um processo penoso.
Nunca poderiam culpar só 2 ou 3 engenheiros, haveria sempre mais alguém para culpar e neste caso, como em tantos outros, há muita gente endinheirada envolvida.

 
At 21 outubro, 2006 19:23, Blogger Zig said...

trequita:
Isso também é verdade, não há nada que substitua uma vida perdida.

Só que esses endinheirados arranjariam com esse dinheiro todo bons advogados e ficariam também absolvidos!

bjs.

 
At 22 outubro, 2006 21:08, Blogger Unknown said...

Num caso como este é sempre complicado encontrar os verdadeiros culpados e julgá-los, culpam-se meia duzia mas ficam sempre outros tantos de fora...
E para não variar, a culpa morre sempre solteira.

 
At 22 outubro, 2006 23:55, Blogger Zig said...

cruzeiro:
Mas é mesmo só a culpa que morre sozinha, infelizmente....

 

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