quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Poema...



Sou anónima areia, pedra, cacto, palavra,
mas amigos, três ou quatro, subam as escadas,
não façam cerimónia,
abram as portas,
escancarem as janelas,
sirvam-se de madeira e desculpem-me a sobriedade
dos móveis e dos gestos:
morro amanhã.
.
Há quem,
com a morte,
carregue segredos e as mãos sujas de sangue, de dinheiro;
eu, não.
.
Há quem,
com a morte,
invente dialectos que justifiquem frustrações;
eu, não.
.
Há quem,
com a morte,
interrompa o fabulário;
eu, não.
.
Oh, morrer de amor, de ameba,
ambarino, embaixador e de mágoa
entre um auto desfeito, de enfarte, de absinto, esdrúxulo,
apunhalado pelo marido da amante!
.
Amor, amar, viver, amar o amor, amar a vida,
e assobiar, no desterro das madrugadas,
fragmentos de melodias que me ficaram
de uma outra existância.
.
Do terraço olharemos a Lua debruçada sobre o mar.
E por quanto tempo?
Areia de que praia,
pedra de que fraga,
cacto de que solidão,
palavra de que vivência?
.
(Fernando Ferreira de Loanda)