quarta-feira, 10 de outubro de 2007

À Camarada de Sempre

Fora, na vida tumultuária,
foste uma doce e boa companhia;
mas aqui, muito mais, Poesia,
foste necessária.

Quando o meu corpo, ali, desembarcou,
perdi a rua, a gente, o mar, o sol
e aquele "mais" que por lá ficou
sem conta, nem rol:

Uns trapos de sol-pôr.
Umas palavras que sabem bem.
Uns braços — braços que o meu pudor
não mostra a ninguém.

Cheguei nu. Tantas voltas me deram,
tantos raios contra minha calma,
que a própria camisa da alma
rota e negra ma puseram.

Ouvi passos. (Estava quebrado e mudo)
Como enfermeira não chegaste,
mas como irmã, flor, ave, talvez tudo
e nunca mais me abandonaste.

E disseste, no fundo, dentro em mim:
Vou tirar-te essas nódoas que consomem
porque bem vês, uma alma assim
nem parece dum homem.

E secaste o meu suor
com teu lenço de enxugar.
E como se fora um peixe do mar
tiraste espinhas à minha dor.

Bruniste minha máscara trigueira
que a dor, às vezes, tornou grotesca.
E tiveste, sempre, à minha beira
um copo de água fresca.

Longas como velas de estearina
tuas mãos lúcidas e pontudas,
deram-me hóstias de morfina
para as minhas dores agudas.

Pela tua mão a minha mão alcança
funduras onde nada se perde.
E caiaste meus muros de verde
que é a cor da Esperança.

Ah! como a tua mão me levanta!
Nos teus braços puros como o sal,
a minha voz, bem ou mal,
é sempre um pássaro que canta.

(Luís Veiga Leitão)