domingo, 15 de novembro de 2009

Muro de Berlim - 20 anos II

Como prometido, e já com algum atraso, relato aqui a minha experiência e a minha opinião sobre a queda do muro de Berlim, a ex-RDA e a consequente reunificação das duas Alemanhas. Os factos da história são conhecidos, para quem não os conhece basta fazer uma pesquisa na net, sobre o que originou o aparecimento da antiga República Democrática Alemã (Deutsche Demokratische Republik, curto DDR, em português RDA) e a “minha” Alemanha, a República Federal da Alemanha (Bundesrepublik Deutschland, curto BRD, em português RFA).

Para começar, considero-me um “fruto” da guerra fria, guerra que era originada pela pouca relação existente entre os dois blocos europeus e que tinha na separação dessas duas Alemanhas a sua “prova” mais explícita, e claro, com o muro de Berlim a sua mais visível “desconcordância”. Desde pequeno, “os outros” eram sempre os de lá (da drüben), a outra Alemanha, tão desconhecida para a maioria das gentes de cá, até temida devido à constante propaganda que semana pós semana aparecia nas TV’s da RFA. Como maior prova fora o facto de sempre terem afirmado que a DDR tinha 40 milhões de habitantes, após a reunificação se soubera que era sensivelmente apenas a metade!

Também, semana após semana era notícia que o muro de Berlim ou a fortificada fronteira entre as duas Alemanhas fizera mais uma ou duas vítimas, é que, os Grenzsoldaten (soldados na fronteira) da DDR tinham Schiessbefehl (ordem para atirar) a todos que tentaram atravessar “indevidamente” essa fronteira. A primeira prioridade do então Kanzler Willi Brandt, o grande obreiro e iniciante da futura reunificação, era mesmo tentar que os líderes desse estado comunista abdicassem dessa ordem, de, em vez de os matar, os apenas detinham. Essas negociações iniciais até obtiveram bastante êxito no que toca a evitar mais mortos, porém, o reverso da medalha foi que a DDR fortificou ainda mais as suas fronteiras! Erich Honecker, o então “Secretário do Estado” desse país, era mesmo conhecido como o mais duro dos seus “colegas” do então Pacto de Varsóvia como o bloco de leste seria conhecido, porém era o mais “falso”, vivendo em grandes luxos nas suas mansões. Dali provém a frase do “mais igual”, ou seja, nesse estado todos eram iguais, outros seriam “mais iguais”.

Como disse, nasci no lado de cá, no lado “bom” da Alemanha, pelo menos aquela que mais liberdade tinha na altura. Se não fosse essa guerra fria, nunca na vida estaria agora cá em Portugal já que a Base Aérea de Beja nem existia! Porque o então ministro da defesa alemã, Franz Josef Strauss (o “touro bávaro”) achou que os mísseis russos não conseguiam atingir Portugal, logo, mandou construir por cá uma base, e, como o Alentejo oferecia bom tempo e uma paisagem pouco acidentada, seria Beja o local escolhido. Claro que muito pouco tempo depois esses mísseis russos já cá podiam “chegar”, logo, essa base se tornara desnecessária, revitalizada apenas no início dos anos 80, aproveitada pela Força Aérea Alemã para por cá efectuarem treinos com os seus aviões.

Recuando mais para trás no tempo, toda a minha especialização nessa tropa alemã a devo também à guerra fria, já que, a Alemanha de então se preparara seriamente para um eventual ataque desse então bloco de leste. Acreditando nessa propaganda vinda do lado de lá se achou que a DDR e os demais estados dispunham de uma tecnologia muito avançada, mas depois se soube que essa ameaça se sustentava quase exclusivamente no seu grande arsenal nuclear, já que de técnica pouco tinham. Maior prova disso fora algo que eu pessoalmente poderia verificar diariamente durante a minha estadia em Kötzting, na Floresta Bávara, na fronteira com a então Checoslováquia. Estudei nessa tropa para ser um técnico de aparelhos de escuta, aparelhos que ouviam as conversas entre os aviões checos e polacos para com as suas bases. E a “congénere” checa, ou seja, o contrário da nossa imponente torre de cimento de 80m (!) de altura era uma simples barraca de madeira, mais tarde substituída por uma pequena torre, mesmo assim em nada comparável com a nossa. Logo, toda essa ameaça vinda do leste para mim sempre fora apenas e só uma “treta”!

Por fim, e para não alongar em demasia esse texto, a própria reunificação e os tempos que se seguiram. Há 20 anos a minha pessoa já estava por cá, em Portugal, tendo sido inclusivamente chamado a uma entrevista para a RTP2 em directo, pouco depois dessa queda do muro. Infelizmente não disponho de gravações dessa entrevista já que me enganara no canal, em vez da RTP2 programei o meu velhinho vídeo Grundig para a RTP1. Paciência! E fora isso mesmo que disse à expectante entrevistadora da RTP2, seriam necessários muitos anos de paciência até as duas Alemanhas seriam completamente reunificadas! Prova disso são os milhões e mais milhões gastos pelo lado de cá, e mesmo assim ainda persistem grandes diferenças entre os dois povos, para além da grande diferença de mentalidades já que são necessárias pelo menos duas gerações para que a “coisa” se reunifique de vez.

Para terminar, em minha pessoal opinião a situação naturalmente melhorou nessa ex-RDA, mas claramente piorou na então ex-RFA. Porque, antes dessa reunificação, o povo de cá sentia uma certa apreensão que os unia contra o “inimigo”, que fazia como que os alemães seriam mais “certinhos”, que andavam mais na linha. Claro que posso estar completamente errado, mas, acreditando nas palavras dos meus familiares, a ex-RFA era um lugar melhor para viver do que a actual e simplesmente chamada Alemanha!
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4 Comments:

At 16 novembro, 2009 02:15, Blogger Van Dog said...

Gostei de ler, Zig!
Não tinha a noção da guerra de informação, e de como foi possível fazer crer por exemplo num determinado número de habitantes que nada tinha a ver com a realidade...
A dona do Boss contou-me que esteve em Berlim há muitos anos, anda antes de o muro cair. E foi visitar Berlim leste. A diferença era absolutamente incrível. A cor, a alegria, pessoas na rua e, do lado leste, cinzento, tudo vazio, com um ar sinistro.
Tenho imensa pena de quem passou parte da vida sem o mais importante: a liberdade. Deve ter estragado a vida a muita gente...

 
At 16 novembro, 2009 09:18, Blogger Zig said...

Van Dog:

:)

Muito mais poderia ter escrito sobre o tema, como por exemplo esse facto que aqui relatas. Em Berlim, apenas as fachadas das casas visíveis do lado de "cá" eram "lavadas" e pintadas, por de trás imperava o cincento...

 
At 16 novembro, 2009 22:30, Blogger H said...

Um excelente testemunho!

 
At 17 novembro, 2009 00:18, Blogger Zig said...

H:

Obrigado :)

 

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