sábado, 2 de fevereiro de 2008

Noite





Com dor escrevo, e já no pensamento
ou sobre o rosto fica um sulco claro,
onde as sementes descem com o peso
dos caules das raízes e dos ramos.

Para quê, se nos olhos não habitam
as aves, se a memória nos esconde
o contorno do tempo, e a própria vida
em nada pode achar as mesmas fontes?

Tão breve esse contorno, como a franja
de um tecido que cai, espesso, ferido,
sobre o vestígio leve que se apaga

num outro corpo ausente, o claro voo
do pranto, os gestos livres, um murmúrio
com que a morte fecha o anel do sono.


(Fernando Guimarães)