Festival Terras sem Sombra no Castelo de Beja
"Oh Nobre Liberdade!": estreia em Portugal de Guzmán, el Bueno, com Luís Miguel Cintra e a Orquestra Sinfónica Portuguesa
Beja é lugar mítico da história medieval portuguesa, que marcou a linha de fronteira. Aqui nasceu o rei-poeta al-Mu’tamid, grande vulto da lírica árabe. Nas “Lendas e Narrativas”, Alexandre Herculano imortalizou a conquista da cidade por Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador. Durante a Revolução de 1385, o povo bejense tomou o partido do Mestre de Avis e, assenhoreando-se do castelo, matou o almirante Lançarote Pessanha, partidário de Castela, que nele estava refugiado. Foi um sinal determinante para a independência portuguesa.
A cidade permanecerá um bastião da causa nacional – e da causa da liberdade. Ao longo da Guerra da Restauração (1640-1668), serviu de retaguarda ao exército português. Na invasão francesa de 1808, esteve entre as primeiras povoações que se revoltaram contra Napoleão, pagando cara a sua resistência. Durante a Guerra Civil de 1828-1834, destacou-se pelo apoio ao Liberalismo, o que lhe deu protagonismo. E, em 1961, o quartel de Beja foi alvo de uma tentativa para derrubar o regime do Estado Novo.
Fazendo-se eco destas memórias, o Festival Terras sem Sombra realiza, no castelo de Beja, a 9 de Junho, pelas 21h30, o quinto espectáculo da sua temporada de 2012: “Oh Nobre Liberdade!”. Inspirado num famoso poema de Lord Byron, o concerto leva à cena, com o actor Luís Miguel Cintra e a Orquestra Sinfónica Portuguesa, dirigida pelo maestro João Paulo Santos, Ode a Napoleão Bonaparte, de Arnold Schoenberg, e Guzmán el Bueno, de Tomás de Iriarte. A iniciativa é uma co-produção com o Teatro Nacional de São Carlos, tendo o apoio da Embaixada de Espanha e do Município de Beja.
A estreia nacional de um grande clássico
Fundador da casa ducal de Medina Sidonia, a mais antiga e mais importante de Espanha, Alonso Pérez de Guzmán, dito Guzmán, el Bueno (1256-1309), evidenciou-se como guerreiro durante a “Reconquista” e, posteriormente, foi transformado num dos heróis da história espanhola. Em 1294, sendo alcaide de Tarifa, preferiu sacrificar o filho primogénito à rendição. A praça era o ponto mais meridional da Península Ibérica. Ao defendê-la com grande coragem, Alonso Pérez conseguiu evitar um ataque vindo do Norte de África. Mas a história reteve, sobretudo, o seu drama existencial: sacrificar o próprio filho, refém dos sitiantes, ou cumprir o dever para com o rei? Guzmán antepôs a pátria à família, mas culpou-se por isso.
Em 1791, pouco antes de falecer, o escritor e músico espanhol Tomás de Iriarte escolheu esta figura como protagonista do seu melólogo do mesmo título, anunciando já o Romantismo. Apesar de ocupar lugar destacado no teatro lírico europeu, o drama nunca foi representado (ou sequer traduzido) em Portugal, pelo que será o castelo de Beja – um cenário à altura das circunstâncias e dotado de excelente acústica – a acolhê-lo pela primeira vez no país. O Festival Terras sem Sombra promoveu a sua publicação em livro, que será lançado por ocasião do espectáculo. Estarão presentes, na ocasião, o actual duque de Medina Sidonia, D. Leoncio Gonzalez de Gregorio y Álvarez de Toledo, e o conde de Ripalda, D. Amalio de Marichalar.
Meditação profunda em torno do sentido da guerra, a composição de Iriarte valeu ao autor a perseguição pela Inquisição e pelo aparelho do Estado. No entanto, alimentou a consciência nacional em momentos de crise. Paolo Pinamonti, director artístico do Terras sem Sombra, partiu da denúncia nela contida para fazer antecede-la por outra peça recitativa – a interpretação que Arnold Schoenberg faz da Ode que Byron dedicou a Napoleão, em 1814, após a abdicação do imperador. Trata-se de uma obra fundamental para se compreender da música do século XX. Além disso, é, de certo modo, uma resposta ao repto lançado por Iriarte.
Exilado do Nazismo nos Estados Unidos, Schoenberg, de origem hebraica, escreveu esta peça em 1942, num momento decisivo da II Guerra Mundial, como veemente denúncia contra os totalitarismos de direita e de esquerda. Se o extraordinário texto de Byron critica a efemeridade do poder, mostrando como Bonaparte se transformou de herói em anti-herói, o compositor alemão sublinha, com a sua música, que o verdadeiro heroísmo contemporâneo reside na oposição dos povos oprimidos às ditaduras, seja qual for o sinal político destas. Uma ideia que cobra especial relevância nos dias de hoje, quando se decide o futuro da Europa.
Luís Miguel Cintra e a Orquestra Sinfónica Portuguesa
Distinguido em 2012 com o prémio de Melhor Actor de Teatro pela Sociedade Portuguesa de Autores, Luís Miguel Cintra é um dos mais destacados actores nacionais, possuindo um currículo profissional de dimensão europeia. Nasceu em Madrid em 1949 e iniciou a carreira no Grupo de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e frequentou a Bristol Old Vic Theatre School. Em 1973 fundou, em Lisboa, com Jorge Silva Melo, o Teatro da Cornucópia, que desde então dirige – agora com Cristina Reis – e onde tem encenado e representado textos de todo o repertório teatral. Possui também vasta experiência na encenação de ópera.
O maestro João Paulo Santos (1959) concluiu o curso superior de Piano no Conservatório Nacional e, na qualidade de bolseiro da Fundação Gulbenkian, aperfeiçoou a prática artística, em Paris, com Aldo Ciccolini. A sua carreira atravessa os últimos 34 anos da biografia do Teatro Nacional de São Carlos, onde tem prestado serviços muito relevantes à cena artística portuguesa. Desempenha actualmente as funções de Director de Estudos Musicais e Director Musical de Cena. Estreou-se na direcção musical, em 1990, com a ópera The Bear (William Walton), encenada por Luís Miguel Cintra para a RTP.
Estabelecida em 1993, a Orquestra Sinfónica Portuguesa é um dos corpos artísticos do Teatro Nacional de São Carlos e desenvolve actividade sinfónica própria, incluindo uma programação regular de concertos e participações em festivais, tanto nacionais como internacionais. No âmbito das temporadas líricas e sinfónicas, tem-se apresentado sob a direcção de notáveis maestros, como Rafael Frühbeck de Burgos, Alain Lombard, Nello Santi, Alberto Zedda, Harry Christophers, George Pehlivanian, Michel Plasson, Krzysztof Penderecki, Djansug Kakhidze, Milán Horvat, Jeffrey Tate e Iuri Ahronovitch.
Festival promove salvaguarda das abetardas na Apariça
Na manhã do dia 10, pelas 10h30, em colaboração com o Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (Parque Natural do Vale do Guadiana e a Companhia Agrícola da Apariça, artistas, staff e espectadores do Terras sem Sombra associam-se aos especialistas da salvaguarda da biodiversidade e a voluntários da comunidade local para uma acção nesta histórica herdade, sita na freguesia de São Matias, em plena Zona de Protecção Especial de Cuba, mas ainda no coração do concelho de Beja. Trata-se de uma referência mítica da agricultura alentejana, hoje reforçada pela componente ambiental. A iniciativa é de acesso livre.
Ao longo de um percurso destinado a fomentar a observação de aves estepárias, como as abertadas, uma das espécies mais emblemáticas do Alentejo, irão realizar-se diversas acções de gestão dirigida, como a sinalização de cercas para as aves estepárias, a construção de uma passagem para abetardas e a colocação de caixas-ninho. É uma forma prática de mostrar a compatibilização das actividades agrícolas com a conservação da natureza. A produção de azeite, outra actividade da Apariça, permite analisar o seu impacto nos recursos biodiversos.
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Etiquetas: Beja, Divulgação Cultural em Geral
2 Comments:
uma excelente iniciativa, a não perder, eu irei de propósito de Lisboa para assistir, parabéns aos organizadores
João Pedro Silva Cruz
Pelas experiências anteriores aconselho-o em reservar lugar pois vai estar certamente superlotado ;)
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